sábado, 6 de janeiro de 2007

«Na rota do Evangelho»; por cardeal Eusébio Scheid

Arcebispo do Rio de Janeiro (Brasil)

RIO DE JANEIRO, quarta-feira, 26 de outubro de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos a seguir artigo do cardeal Eusébio Scheid, arcebispo do Rio de Janeiro, intitulado «Na rota do Evangelho». O texto compõe a seção Voz do Pastor do site da arquidiocese do Rio e foi enviado a Zenit essa terça-feira.


Na rota do Evangelho

O primeiro e mais antigo missionário, que conhecemos através da História Sagrada, foi Abraão, que recebeu diretamente de Deus o chamado: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei” (Gn 12,1). Ele deixou tudo e foi em demanda da terra da promessa, seguindo o plano de Deus por difíceis caminhos, nunca conhecidos antes.

O segundo grande missionário foi Moisés, escolhido por Deus para libertar o povo Hebreu do Egipto e conduzi-lo à terra de Canaã, selando em Seu nome uma aliança. Homem de coração paciente e magnânimo para com as fraquezas daquele povo, tornou-se seu intercessor e mediador, dedicando a própria vida ao cumprimento da sua missão. Chegou até às margens do rio Jordão, falecendo próximo à terra prometida, onde não pôde entrar.

Depois, vieram os Profetas, homens extraordinários, empenhados na realização da vontade divina, que lhes foi revelada. Falando em nome de Deus, com Sua autoridade e sabedoria, recordavam a aliança e combatiam o grande pecado da idolatria, que consistia na adoração a deuses mitológicos, concebidos segundo características humanas. Quase todos os profetas morreram em testemunho do que anunciaram.

Mas este havia sido um longo tempo de preparação, para a maior manifestação divina, como nos diz a carta aos Hebreus: “Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos Pais pelos profetas; agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos” (Hb 1,1-2).

O Cristo nos apresentou o Pai, de todos os modos pelos quais era possível falar dEle: por imagens, descrições e ensinamentos directos. Ao mesmo tempo, apresentou a si mesmo como Filho, declarando-se, portanto, igual ao Pai na divindade, e unido a Ele no Amor, que é a Pessoa do Espírito Santo. Embora esse mistério ultrapasse a nossa compreensão, tornou-se mais aceitável e mais próximo a nós, pela palavra de Jesus. Esta é a essência de sua missão, a finalidade dEle ter vindo ao mundo pela Encarnação.

A partir desta revelação essencial, Jesus nos confere nossa própria identidade: “Vós todos sois irmãos” (Mt 23,8). É a verdade fundamental do cristianismo, porém a mais difícil de se realizar concretamente. Isto, porque os povos não se reconhecem como irmãos, deixando prevalecer diferenças de raça, cor e cultura, que constituem limites, demarcados como divisões entre nações e continentes. Diante disso, Charles de Foucauld, definiu-se como “irmão universal”, aberto a amar a todos, como cada um precisa e como Deus quer.

Jesus também nos ensinou a descobrir o sentido da nossa vida. Qual é este sentido? A resposta pode variar muito, de pessoa a pessoa. E há aquelas que nem ao menos a descobrem. Suas vidas se tornam vazias, tremendamente problemáticas, e chegam, até, ao desespero e ao suicídio. Entretanto, Cristo sintetizou claramente a finalidade de nossa vida: a felicidade definitiva, com Deus e com os irmãos, presentemente preparada e eterna, na sua recompensa final. Portanto, a plenitude da felicidade junto de Deus.

Os Apóstolos foram os continuadores da missão de Jesus, que lhes deixou uma ordem, expressa de forma categórica: “Ide e fazei que todas as nações se tornem discípulos, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. E acrescentou a grande promessa: “Eis que eu estarei convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!”(Mt 28,19-20). Esta é a essência da missão: avançar corajosamente, tendo como principal bagagem todo o ensinamento de Cristo, como água pura, destinada a dessedentar quantos a buscam. Essa água precisa ser distribuída, e não se perder, como dique que escoa, terminando por esvaziar-se: “Tirareis, com alegria, água das fontes da salvação” (Is 12,3).

Dentre os Apóstolos, é preciso ressaltar a figura de Paulo de Tarso, homem instruído, formado na melhor escola rabínica. Convertido, torna-se o maior missionário de todos os tempos, anunciando o Cristo, que ele encontrou através de uma visão pessoal. Rejeitado pelos judeus, devido à sua conversão, dirigiu-se aos gentios, àqueles que nunca tinham ouvido falar da fé num único Deus. Saiu de Israel, abrindo as fronteiras do cristianismo para o mundo naquele tempo conhecido, ensinando em todas as partes e constituindo comunidades, que testemunharam a grande riqueza do seu trabalho e a solidez dos seus ensinamentos.

Os missionários de hoje se espalham pela Amazônia, África, Ásia e, até, Oceania. Encontram, em nosso próprio país, muitas vezes, um povo desassistido, clima inóspito e ameaças de doenças, devido à falta de saneamento básico. São verdadeiros heróis da fé, sofrendo quase o martírio, no seu próprio corpo, para ensinar o verdadeiro sentido da humanidade: ser gente, partilhando a identidade ontológica comum, de sermos feitos à imagem e semelhança de Deus. Mas o Cristo nos levou além, fazendo-se igual a nós em tudo, menos no pecado. Portanto, somos irmãos nEle, e este é o sentido pleno de sermos verdadeiramente humanos.

Temos que nos orientar por um caminho que conduza à perfeição. Ser missionário significa conhecer a verdade do Evangelho, para bem ensiná-la; ser fiel a essa verdade, vivendo por ela e, se necessário, morrendo – em terra de missão, como São Francisco Xavier, apóstolo da Índia e do Japão, ou no anonimato silencioso de um Carmelo, como Santa Teresinha do Menino Jesus.

Que Deus nos fortaleça para esse testemunho!

ZP05102615

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